Geossítios
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Barranco do Zambujal

justificação do valor científico

A sul de Porto de Mós, perto da povoação de Zambujal de Alcaria, a Ribeira da Fórnea entalhou a cabeceira nas formações margo-calcárias do Jurássico Inferior-base do Jurássico Médio, escavando um profundo e amplo anfiteatro (mais de 200m de altura e cerca de 500m de diâmetro), a Fórnea. A série sedimentar aflorante desde o leito e ao longo dos flancos do vale da Ribeira da Fórnea é constituída por camadas alternantes de margas e calcários margosos/argilosos fossilíferos, em estrutura monoclinal, de aspecto genericamente regular e contínuo, embora localmente afectada por falhas. Além da beleza imponente, o local tem elevado interesse científico para a Geologia, nomeadamente para a Estratigrafia, a nível paleontológico/biostratigráfico, litostratigráfico e sedimentológico, acresce elevado valor geomorfológico.
A série é conhecida na bibliografia estratigráfica como série do Barranco de Zambujal, tendo sido abordada em muitos trabalhos desde o século XIX (por ex. Choffat, 1880, Ruget-Perrot, 1961, Mouterde; Ruget, 1967, Azerêdo 1993, 2007, Duarte, 1998, Henriques, 2000, Manupella et al., 2000, Azerêdo et al., 2003, Azerêdo; Ramalho, 2005, Figueiredo, 2009), o que atesta a sua importância na Geologia portuguesa. Constitui a série-tipo para a unidade litostratigráfica formal Formação de Barranco de Zambujal, de idade Aaleniano inferior-Bajociano inferior, sendo também este o principal afloramento que tipifica a unidade subjacente, Formação de Fórnea, Sinemuriano terminal (?)/Pliensbaquiano a Aaleniano inferior basal (Azeredo, 2007). Esta sucessão foi depositada em ambiente marinho externo, relativamente profundo e tem um conteúdo paleontológico importante, em especial no que respeita à fauna de amonites, a que se associam belemnnites, braquiópodes, bivalves, foraminíferos e icnofósseis. É um corte de referência biostratigráfica muito importante para o Toarciano, Aaleniano e Bajociano da Bacia Lusitânica, uma vez que permitiu reconhecer com segurança diversas biozonas de amonites do Toarciano superior (Biozona Aalensis) ao Bajociano inferior (Biozona Sauzei), incluindo as que definem os limites Toarciano-Aaleniano e Aaleniano-Bajociano (Henriques, 2000). 


AZERÊDO, A. C. (1993) - Jurássico Médio do Maciço Calcário Estremenho (Bacia Lusitânica): análise de fácies, micropaleontologia, paleogeografia. Tese de Doutoramento (não publicada), Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 366 pp., 36 ests.
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GEO-SÍTIOS - Inventário de Sítios de interesse Geológico (Ramalho M. M., coord. e colaboradores) (ex-IGM/LNEG): http://e-geo.ineti.pt/bds/geositios.
HENRIQUES, M. H. (2000) - Aalenian of the Zambujal de Alcaria section (Central Lusitanian Basin, Portugal). Advances in Jurassic Research, 5th International Symposium on the Jurassic System, Vancouver, 1998, GeoResearch Forum, Transtec Pub., Zurich, 6, pp-85-94.
HENRIQUES, M. H., AZERÊDO, A. C., DUARTE, L. V.; RAMALHO, M. M. (2005) – Jurassic Heritage and Geoconservation in Portugal: an overview. In: HENRIQUES, M. H. (General co-ordinator), AZERÊDO, A. C., DUARTE, L. V.; RAMALHO, M. M. (eds.), Jurassic Heritage and Geoconservation in Portugal: Selected Sites. IV International Symposium ProGEO on the Conservation of the Geological Heritage, Field Trip Guide Book, pp. 7-15, pl. 1, figs. 1-10.
MANUPPELLA, G., ANTUNES, A. TELLES, ALMEIDA, C. A. COSTA, AZERÊDO A. C., BARBOSA, B., CARDOSO, J.L., CRISPIM, J.A., DUARTE, L. V., HENRIQUES. M. H., MARTINS, L.T.,RAMALHO, M. M., SANTOS, V.; TERRINHA, P. (2000) - Carta Geológica de Portugal, escala 1:50.000. Notícia explicativa da Folha 27-A (Vila Nova de Ourém), 2ª edição. Inst. Geol. Mineiro, Lisboa, 156 pp.
MOUTERDE, R.; RUGET, Ch. (1967) - Le Lias des environs de Porto de Moz (SW du plateau de Fátima) - Étude du Barranco de Zambujal de Alcaria. Comun. Serv. Geol. Portugal, Lisboa, LI, pp. 253-281.
RUGET-PERROT, CH. (1961) - Études stratigraphiques sur le Dogger et le Malm inférieur du Portugal au Nord du Tage. Mem. Serv. Geol. Portugal, N.S., 7, 197 pp.

Outros valores e sua justificação

Como referido, o Barranco do Zambujal corresponde a um profundo e amplo anfiteatro, devido ao entalhamento da cabeceira da Ribeira da Fórnea nas formações margo-calcárias do Jurássico Inferior-base do Jurássico Médio, representando um cenário geológico de grande beleza, com excepcional valor paisagístico. Neste anfiteatro natural brotam várias nascentes temporárias, a mais conhecida das quais, a Cova da Velha, nasce de uma gruta com extensão quilométrica (Crispim, 1995, Azerêdo; Crispim, 1999). A Fórnea corresponde, pois, a um excelente exemplo desta particular forma de relevo, numa região cársica, o que lhe confere elevado interesse educativo no domínio da geomorfologia. Ao longo do corte há, ainda, além dos macrofósseis diversos, outros aspectos com interesse pedagógico, nomeadamente quanto à estratonomia/sedimentologia e tafonomia: superfícies ferruginizadas, horizontes de bio-acumulação, bioturbação diversa, variações no padrão de espessura média das camadas e de evolução batimétrico-deposicional com reflexo nas componentes fossilífera e litológica (relação calcário/argila, etc.). 
Pelo conjunto de motivos científicos, paisagísticos, pedagógicos que congrega, este local é objecto frequente de excursões geológicas, quer a nível de cursos de licenciatura e de mestrado, quer no contexto de reuniões nacionais e internacionais no âmbito do Património Geológico (e.g. Azerêdo; Crispim, 1999, Azerêdo; Ramalho, 2005, Henriques et al., 2005), e está, também, inserido em percursos geoturísticos.