justificação do valor científico
A região compreendida entre Condeixa-a-Nova e Ansião mostra uma paisagem dominada por formações carbonatadas do Jurássico inferior e médio. É neste contexto que se define o perfil de Maria Pares, localizado nas imediações das povoações de Zambujal e do Rabaçal, como um dos mais completos de Portugal no que se refere a parte do Jurássico Inferior e base do Jurássico Médio (Mouterde et al, 1964-65, Duarte, 1991, Henriques, 1998, Soares et al., 2007). Conhecido da bibliografia desde os trabalhos de Choffat (1880), a sucessão estratigráfica abrange o intervalo compreendido entre o Pliensbaquiano e o Aaleniano terminal, uma sucessão com mais de 300 metros de espessura de sedimentos margo-calcários, muito fossilíferos, controlados por escalas biostratigráficas de amonites (Mouterde et al., 1964, Rocha et al., 1987, Henriques, 1992) e de nanofósseis calcários (Perilli; Duarte, 2006). As óptimas condições de exposição e o elevado nível de conhecimento existente levaram Duarte; Soares (2002) a formalizar, neste local, a secção-tipo da Formação de S. Gião (Toarciano).
Inserido numa região de grande beleza natural e de interesse geomorfológico (ver, por exemplo, Cunha, 1988), a conjunção dos factores acima evidenciados tem potenciado, ao longo destes últimos anos, uma intensa actividade científica de entre as diversas vertentes da estratigrafia, paleontologia e sedimentologia (ver Duarte, 1991, 1997, 2007, Henriques, 1992, 1995, 1998, Boomer et al., 1998, Duarte et al., 2001, 2004, Duarte; Soares, 2002, ver referências contidas em Duarte, 2004). Entre as diversas valências apresentadas em Duarte (2004), e que tornam este local singular no panorama da geologia portuguesa, a ocorrência de bioconstruções de espongiários siliciosos é a que parece atingir maior repercussão internacional. De facto, estas esponjas constituem as únicas referências existentes para o Toarciano, sendo as únicas conhecidas ao nível do Jurássico inferior do sector setentrional tetisiano (Duarte, 2001, Duarte et al., 2001).
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Outros valores e sua justificação
A importância patrimonial deste local foi destacada por Duarte (2004), num exercício de inventariação dos lugares com maior relevância do Jurássico Inferior do território português. O facto de estar inserido numa região cársica (Cunha, 1988), as formas de relevo constituem um atractivo a todos os amantes da natureza. Paralelamente ao valor científico, este local constitui um espaço propício a actividades de natureza educativa e de divulgação científica, no âmbito genérico da geologia sedimentar, dada a possibilidade de reconhecer facilmente várias unidades litostratigráficas, do elevado controlo temporal das diversas unidades e da grande variedade de fósseis (e icnofósseis) de invertebrados marinhos (amonites, belemnites, braquiópodes, bivalves, gastrópodes, crinóides e espongiários siliciosos), que podem ser reconhecidos ao longo de todo o perfil (ver, por exemplo, Duarte, 2001, Anacleto; Duarte, 2003a,b, Duarte et al., 2006).
As características geológicas do local têm proporcionado a realização de várias visitas geológicas, desde actividades de divulgação científica, sessões lectivas práticas de vários níveis de ensino (do ensino básico ao universitário), até excursões geológicas realizadas no âmbito de congressos nacionais e internacionais da especialidade (Rocha et al., 1987, Duarte, 1998, Henriques, 1998, Duarte et al., 2004, Duarte; Perilli, 2004).