justificação do valor científico
Na estreita orla litoral entre a foz do rio Douro e o Castelo do Queijo (Forte de S. Francisco Xavier) encontram-se preservados magníficos afloramentos de rochas metassedimentares, espacialmente associadas a ortognaisses de diferentes tipos e a anfibolitos que, no seu conjunto, constituem o Complexo Metamórfico da Foz do Douro (CMFD) (Borges et al. 1985, 1987, Noronha 1994, 2003, Noronha e Leterrier 1995, Leterrier e Noronha 1998, Marques et al. 2000, Noronha e Leterrier 2000, Ribeiro et al. 2006).
Face ao estado actual dos conhecimentos, o CMFD é constituído por duas unidades tectonoestratigráficas distintas (Noronha 1994, 2003, Chaminé et al. 2003): a “Unidade dos gnaisses da Foz do Douro” (UGFD) e uma unidade essencialmente constituída por metassedimentos, a “Unidade de Lordelo do Ouro” (ULO)
A UGFD é representada por diferentes ortognaisses, por vezes intensamente deformados devido à presença de corredores de cisalhamento. Com base em critérios texturais, mineralógicos e estruturais foi possível distinguir, nesta unidade, vários tipos de gnaisses, nomeadamente, gnaisses biotíticos de composição tonalítica, gnaisses leucocratas, gnaisses leucocratas de tendência ocelada e gnaisses leucocratas ocelados (Borges et al. 1985, 1987).
Os ortognaisses da UGFD contactam a NE e SW com formações metassedimentares muito dobradas pertencentes à “Unidade de Lordelo do Ouro” (ULO), sendo nítida a discordância entre as foliações presentes nos gnaisses e nos metassedimentos (Borges et al. 1985, Ribeiro e Pereira 1992). As sequências metassedimentares são essencialmente constituídas por micaxistos a que se associam, por vezes, rochas calcossilicatadas e anfibolitos.
Os anfibolitos são de origem magmática com afinidade toleítica (Bravo e Abrunhosa 1978), apresentando composições químicas compatíveis com basaltos do tipo MORB (Leterrier e Noronha 1998, Noronha e Leterrier 2000).
A UGFD e a ULO são intruídas por granitos biotíticos, muito bem representados no Castelo do Queijo, que pertencem ao grupo dos granitos tardi-variscos com uma idade do Estefaniano inferior (Mendes 1967/1968, Silva 1995, Martins et al. 2001) e que definem, no seu conjunto, um alinhamento paralelo à zona de cisalhamento Porto-Tomar (ZCPT), estrutura que terá condicionado a sua instalação (Chaminé et al. 2003). A intrusão dos granitos deu origem à formação de uma brecha ígnea de grande beleza localizada na praia dos Ingleses. Esta rocha é constituída por fragmentos de rochas pertencentes ao CMFD com orientação, forma e dimensões variadas, aglutinados pelo granito porfiróide.
Borges et al. (1985, 1987) e Noronha (1994, 2003) consideram que os ortognaisses cadomianos correspondem a um magmatismo intrusivo nos metassedimentos da ULO.
Uma vez que os metassedimentos da ULO exibem uma xistosidade anterior às foliações presentes nos ortognaisses, o CMFD no seu conjunto (UGFD e ULO) representa uma faixa pré-câmbrica não pertencente à Zona Centro Ibérica. Sendo assim, a ZCPT passa próximo do Castelo do Queijo e separa os terrenos do “Complexo Metamórfico da Foz do Douro” dos da Zona Centro Ibérica, nomeadamente do “Complexo Xisto-Grauváquico” (CXG), que ocorre na zona oriental da cidade do Porto (Noronha e Leterrier 2000).
Estudos geoquímicos efectuados com base em elementos maiores, elementos menores e terras raras (Noronha e Leterrier 1995, 2000, Leterrier e Noronha 1998) confirmaram a presença de diferentes tipos de gnaisses, todos eles com carácter peraluminoso, mas cujas características químicas e químico-mineralógicas permitiram o seu agrupamento em dois grandes grupos composicionais:
- Grupo dos gnaisses com composição granodiorítica-tonalítica, constituído pelos gnaisses leucocratas e pelos gnaisses biotíticos,
- Grupo dos gnaisses de composiço granítico-adamelítico, englobando os gnaisses leucocratas ocelados e os gnaisses leucocratas de tendência ocelada.
Os dados geoquímicos indicaram, ainda, uma origem profunda com assinatura mantélica de tipo MD para os gnaisses biotíticos, e uma origem francamente crustal para os gnaisses leucocratas ocelados e de tendência ocelada.
Estudos geocronológicos e de geoquímica isotópica efectuados pelos mesmos autores sobre as rochas gnáissicas (método do U/Pb - diluição iónica - em zircões) indicaram uma idade de 567 ± 6 Ma para os gnaisses biotíticos, de 606 ± 17 Ma para os gnaisses leucocratas ocelados e de tendência ocelada, o que fez com que se considerasse o magmatismo responsável por estas rochas como sendo cadomiano (Noronha e Leterrier 2000).
Mais recentemente, a Zona de Cisalhamento Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo (ZCPTFA) foi considerada como correspondente a uma falha transformante que separa as Placas Finisterra e Ibérica (Ribeiro et al. 2007). Ribeiro et al. (2009) consideram que o CMFD estará limitado a Este pela ZCPTFA e a Oeste pelo cavalgamento deste sobre o sector Espinho-Albergaria-a-Velha-Agueda que revela afinidades com a Zona Ossa Morena (Fernández et al. 2003, Romão et al. 2005).
O CMFD é, assim, uma peça fundamental para compreender a evolução geotectónica do NW peninsular.
Outros valores e sua justificação
Para além do valor científico, o geossítio apresenta valor educativo e geoturístico.
A associação deste património geológico com os elementos ecológicos é bem evidente. Este local é sem dúvida rico a nível biológico, sendo visível a influência da geodiversidade no tipo de fauna e flora presentes e na sua distribuição.
Os afloramentos contam com uma excelente exposição e acessibilidade. A sua raridade, singularidade, representatividade e geodiversidade, bem como a sua utilidade como modelo para ilustrar e interpretar processos geológicos foi motivo para que o CMFD fosse classificado pela autarquia em 2001 como Património Natural Municipal. Na proposta de classificação da orla litoral da foz do Douro encontram-se definidas seis áreas de Interesse Geológico: A- Praia do Castelo do Queijo e Forte S. Francisco Xavier – Granito do Castelo do Queijo e rochas encaixantes do CMFD, B- Avenida Montevideu – Gnaisse Leucocrata Ocelado do CMFD, C- Praia do Homem do Leme – Gnaisse Biotítico do CMFD, D- Praia de Gondarém – O Anfibolito da Praia de Gondarém, E- Praia da Sra. da Luz – Rochas do CMFD e Brecha Ígnea da Praia da Sra. da Luz, F- Praia dos Ingleses – Gnaisse Leucocrata de Tendência Ocelada do CMFD.
Observações
A coordenada GPS corresponde ao limite sul do geossítio